Ultraprocessados comprometem defesa do corpo contra células cancerígenas

Ultraprocessados comprometem defesa do corpo contra células cancerígenas
Estudo revela como desequilíbrio entre ômega-6 e ômega-3 favorece o desenvolvimento de tumores
Um novo estudo publicado na revista Gut, da Sociedade Britânica de Gastroenterologia, revelou que os alimentos que consumimos diariamente podem estar prejudicando significativamente a capacidade do nosso organismo de combater células cancerígenas no cólon. A pesquisa, conduzida por uma equipe internacional de cientistas e publicada em dezembro de 2024, identificou um mecanismo preocupante: o excesso de certos ácidos graxos ômega-6, frequentemente presentes em grandes quantidades nos alimentos ultraprocessados, pode interferir nas propriedades anti-inflamatórias e antitumorais do ômega-3, um ácido graxo essencial para a saúde. Segundo Timothy Yeatman, coautor sênior do estudo, “existem mutações todos os dias no trato gastrointestinal e, normalmente, elas são eliminadas imediatamente pelo sistema imunológico com a ajuda de moléculas ou mediadores dos ômega-3”. Este importante mecanismo de defesa natural do corpo humano, no entanto, está sendo comprometido pelo consumo excessivo de alimentos industrializados, que alteram o equilíbrio necessário entre estes ácidos graxos essenciais, permitindo que células potencialmente cancerígenas escapem dos mecanismos naturais de controle e se desenvolvam em tumores malignos.
Os pesquisadores fizeram uma descoberta notável ao examinar tanto o tecido tumoral quanto o tecido normal de controle dos mesmos pacientes. “Descobrimos que o tecido de controle tem um equilíbrio perfeitamente adequado de moléculas de ômega-6 e ômega-3”, explicou um dos cientistas envolvidos na pesquisa. “No entanto, encontramos um tremendo desequilíbrio no microambiente do tumor — as gorduras ômega-6 provenientes de alimentos ultraprocessados estavam produzindo mais moléculas pró-inflamatórias dentro do tumor canceroso, mas não no tecido de controle”. Esta é a primeira vez que um estudo consegue analisar de maneira tão abrangente como as moléculas provenientes do ômega-3 e ômega-6 se comportam no tecido tumoral comparativamente ao tecido saudável do mesmo indivíduo, proporcionando insights valiosos sobre a interação entre dieta e câncer. O químico analítico Tom Brenna, professor de pediatria na Dell Medical School da Universidade do Texas em Austin, que não participou do estudo, corrobora os achados ao afirmar que “os investigadores estão basicamente a dizer que há tanto ômega-6 que dá ao tumor cancerígeno a oportunidade de se espalhar, e acredito que isso provavelmente está correto”. Esta observação reforça a crescente preocupação da comunidade científica com o impacto dos padrões alimentares modernos no desenvolvimento e progressão de doenças crônicas, especialmente o câncer.
O estudo se soma a um corpo crescente de evidências que apontam para os riscos do consumo excessivo de alimentos ultraprocessados. Uma outra pesquisa publicada em novembro de 2023 na revista European Journal of Nutrition, que analisou dados de dieta e estilo de vida de mais de 450 mil adultos europeus durante 14 anos, descobriu que incluir apenas 10% a mais de alimentos ultraprocessados na dieta está associado a um risco 23% maior de desenvolver câncer de cabeça e pescoço, e um risco específico 24% maior de câncer de esôfago. Os cientistas acreditam que os aditivos presentes nos ultraprocessados, como adoçantes artificiais, e possíveis contaminantes das embalagens ou do processo de fabricação, podem explicar parcialmente estes resultados alarmantes. A Dra. Helen Croker, diretora assistente de pesquisa e política do Fundo Mundial de Pesquisa do Câncer Internacional, que financiou esta pesquisa, destacou que “este estudo se soma a um conjunto crescente de evidências que sugerem uma ligação entre alimentos ultraprocessados e o risco de câncer”. Este cenário é particularmente preocupante quando consideramos que, nos Estados Unidos, estimativas de 2019 indicavam que aproximadamente 71% do fornecimento de alimentos pode ser classificado como ultraprocessado, sugerindo um problema de saúde pública de proporções consideráveis que provavelmente se estende a muitos outros países industrializados.
Os resultados destes estudos apontam para um mecanismo particularmente preocupante: sem ômega-3 suficiente disponível para ajudar a controlar a reação inflamatória criada pela resposta do organismo ao câncer, a inflamação continua a se intensificar, danificando ainda mais o DNA das células e prolongando um ambiente propício ao crescimento e à propagação do câncer. Essa compreensão do processo inflamatório oferece novas perspectivas para estratégias preventivas e terapêuticas no combate ao câncer, sublinhando a importância de uma dieta equilibrada rica em ácidos graxos ômega-3, encontrados principalmente em peixes de água fria, sementes de linhaça e nozes, e uma redução significativa no consumo de alimentos ultraprocessados ricos em ômega-6. Especialistas recomendam que os consumidores priorizem alimentos frescos e minimamente processados, aumentando a ingestão de peixes, vegetais, frutas, grãos integrais e gorduras saudáveis, enquanto limitam ao máximo o consumo de produtos industrializados. Pesquisadores enfatizam a necessidade de mais estudos para compreender completamente os mecanismos envolvidos e desenvolver diretrizes dietéticas mais específicas, mas já há consenso suficiente para recomendar mudanças nos padrões alimentares como parte de uma estratégia abrangente de prevenção do câncer. À medida que a ciência avança na compreensão da relação entre dieta e câncer, fica cada vez mais claro que nossas escolhas alimentares diárias têm profundas implicações para nossa saúde a longo prazo.
Recomendações para reduzir riscos associados aos ultraprocessados
Diante das evidências crescentes sobre os riscos dos alimentos ultraprocessados, especialistas recomendam uma abordagem preventiva que inclui a redução significativa destes produtos na dieta cotidiana. Aumentar o consumo de alimentos ricos em ômega-3, como peixes de água fria (salmão, sardinha, atum), sementes de linhaça, chia e nozes pode ajudar a contrabalançar o excesso de ômega-6 presente na dieta moderna. Priorizar alimentos frescos, frutas, verduras, legumes e grãos integrais também é fundamental para uma alimentação mais equilibrada e protetora. Embora mais pesquisas sejam necessárias para determinar as recomendações específicas sobre a proporção ideal entre ômega-3 e ômega-6 na dieta, os estudos atuais já fornecem evidências suficientes para justificar mudanças nos hábitos alimentares como estratégia preventiva contra o câncer. A adoção de um estilo de vida mais saudável, que combine alimentação adequada com atividade física regular, continua sendo a recomendação mais consistente dos especialistas para reduzir o risco de desenvolvimento de diversos tipos de câncer e outras doenças crônicas não transmissíveis.