Marina Silva tenta barrar projeto de licenciamento ambiental após embate no Senado

Marina Silva busca frear projeto de licenciamento ambiental após confronto no Senado.
Ministra abandona audiência após embate com senadores.
A ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, protagonizou um episódio tenso na Comissão de Infraestrutura do Senado Federal na terça-feira (27), quando abandonou a sessão após um acalorado debate com senadores da região Norte. O embate ocorreu durante audiência que discutia a criação de unidades de conservação marinha na Margem Equatorial, área considerada estratégica para exploração petrolífera no país. Logo após o incidente, a ministra se dirigiu à Câmara dos Deputados para uma reunião com o presidente da Casa, Hugo Motta (Republicanos-PB), acompanhada de membros da Frente Parlamentar Ambientalista. O objetivo principal do encontro foi solicitar mais tempo para debate sobre o projeto de lei que estabelece novas regras para o licenciamento ambiental no Brasil, aprovado recentemente pelo Senado. Durante a reunião, Marina entregou uma carta ao presidente da Câmara com críticas às novas regras e pediu uma nova audiência para garantir transparência e ampla participação da sociedade civil, do setor produtivo, da comunidade científica e de órgãos federais antes que o projeto seja colocado em votação no plenário da Câmara dos Deputados.
O confronto no Senado foi motivado principalmente por divergências sobre a criação das unidades de conservação marinha na Margem Equatorial, iniciativa que senadores da região Norte consideram uma estratégia para dificultar os estudos necessários para exploração petrolífera na área. Durante a audiência, a ministra defendeu que as unidades de conservação são criadas dentro de um plano estratégico para proteção e uso sustentável da biodiversidade, não sendo ações isoladas como alegado pelos parlamentares. Marina Silva apresentou documentos mostrando que as diretrizes que acompanham as propostas de criação das unidades questionadas já estabelecem que oleodutos, gasodutos e portos poderão ser construídos, desde que passem pelo devido processo de licenciamento ambiental. A ministra buscou responder diretamente às críticas como as do senador Lucas Barreto (PSD-AP), que reclamou dos níveis de pobreza na região Norte, afirmando: “Estamos em cima da riqueza, na pobreza, contemplando a natureza. Olhar para a árvore, beleza cênica, não enche barriga”. Em resposta, Marina explicou que a exploração poderá ser realizada desde que se faça o licenciamento apropriado, mas criticou as mudanças propostas no novo Marco do Licenciamento Ambiental, aprovado pelo Senado na semana passada, classificando-o como um retrocesso para o processo de licenciamento no país.
O ponto central da controvérsia reside no Projeto de Lei 2.159/2021, que estabelece novas regras para o licenciamento ambiental e foi aprovado pelo Senado Federal na semana passada. O texto incorporou, por iniciativa do presidente da Casa, senador Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), a criação da Licença Ambiental Especial (LAE), um dispositivo que abre um rito simplificado para obras classificadas como estratégicas, mesmo que tenham potencial de degradação ambiental. Caso se torne lei, a nova categoria serviria para destravar a prospecção de petróleo na Margem Equatorial, bandeira defendida pelo senador amapaense. Em seu encontro com o presidente da Câmara, Marina Silva classificou o relatório aprovado no Senado como uma peça praticamente entregue no dia da votação, sem o devido debate público. “Estamos pedindo que haja o tempo necessário de democracia para discutir uma matéria que amputa décadas de construção do licenciamento ambiental brasileiro”, afirmou a ministra. Ela destacou pontos críticos do texto, como a redução do papel de órgãos colegiados como o Ibama, o enfraquecimento da consulta a povos indígenas e a introdução do licenciamento por adesão, mecanismo que, segundo ela, retira a análise técnica de impactos indiretos relevantes. Marina também alertou para emendas de última hora que ampliam os poderes da Presidência da República para dispensar o licenciamento ambiental de empreendimentos considerados estratégicos.
Após a reunião com Hugo Motta, Marina Silva informou à imprensa que o presidente da Câmara garantiu que haverá debate sobre o projeto, embora não tenha estabelecido um prazo específico para colocar a matéria em votação. A ministra enfatizou que “o licenciamento ambiental é uma conquista da sociedade brasileira, e neste momento, sinceramente, só o povo brasileiro pode evitar esse desmonte que está sendo proposto”. A carta entregue ao presidente da Câmara, além de apontar diretamente para a flexibilização das regras de licenciamento, levanta questionamentos sobre possíveis inconstitucionalidades no texto que será analisado pelos deputados. Um dos trechos do documento alerta que “a proposta também prevê que os pareceres das autoridades envolvidas não terão caráter vinculante, permitindo que os órgãos licenciadores, sem competência legal para dispor sobre as temáticas referidas, desconsiderem conclusões dos órgãos públicos com competência legal para tanto”. Marina Silva também fez questão de ressaltar que “o fato de algo ser estratégico para o governo não elimina os impactos ambientais. É o caso de estradas, hidrelétricas ou da exploração de petróleo. Não podemos simplificar ao ponto de ignorar tragédias como Brumadinho e Mariana”. Os próximos passos da tramitação do projeto dependerão da decisão do presidente da Câmara quanto à agenda de discussões e eventual votação da matéria, em um embate que promete mobilizar tanto ambientalistas quanto os defensores de uma flexibilização das regras de licenciamento ambiental no país.
Debate sobre conservação e desenvolvimento econômico ganha novos contornos
O episódio que envolveu a ministra Marina Silva reflete o crescente tensionamento entre as agendas ambientais e de desenvolvimento econômico no país, especialmente em regiões ricas em recursos naturais como a Amazônia e a costa marítima brasileira. O avanço do projeto que flexibiliza as regras de licenciamento ambiental representa um capítulo importante nesse debate, que deverá se intensificar nas próximas semanas com a tramitação da matéria na Câmara dos Deputados. Enquanto ambientalistas alertam para os riscos de retrocessos na proteção ambiental, parlamentares especialmente da região Norte defendem que as atuais regras representam entraves ao desenvolvimento econômico regional. A resolução desse impasse dependerá da capacidade de articulação tanto do governo federal quanto dos diversos setores da sociedade interessados no tema, em um processo que precisará equilibrar a necessidade de desenvolvimento econômico com a preservação do patrimônio ambiental brasileiro.