Leão XIV herda crise financeira grave no Vaticano e desafios que Francisco não conseguiu solucionar

Novo Papa enfrenta déficit orçamentário, problemas no fundo de pensão e queda nas doações.
O recém-eleito Papa Leão XIV assume o comando da Igreja Católica em meio a uma profunda crise financeira no Vaticano, herdando problemas que seu antecessor, o Papa Francisco, tentou resolver sem obter sucesso completo. O déficit orçamentário da Santa Sé triplicou durante o pontificado do argentino, e o fundo de pensão acumula quase 2 bilhões de euros em passivos não provisionados, segundo especialistas financeiros que acompanham a situação. As contas do menor Estado do mundo são cronicamente deficitárias, mesmo com receitas provenientes dos museus vaticanos, hospitais e doações dos fiéis. Em 2023, a receita total do Vaticano alcançou aproximadamente 1,2 bilhão de euros (cerca de R$ 6,4 bilhões na cotação atual), mas os gastos superaram significativamente esse montante, agravando uma situação que já era preocupante. Além disso, Leão XIV precisará lidar com a queda contínua das doações – que representam 17% da receita da Santa Sé – combinada com o aumento constante dos gastos com pessoal, que cresceram 6% somente no último ano. O próprio Papa Francisco havia reconhecido que o sistema previdenciário do Vaticano não estava “em condições de garantir no médio prazo” o pagamento dos benefícios para as gerações futuras, deixando um problema estrutural para seu sucessor resolver.
A crise financeira no Vaticano tem raízes históricas que remontam à própria criação do Estado em 1929. Com a perda dos Estados pontifícios para a Itália, culminada em 1870 com a anexação de Roma, as contas do Vaticano entraram em colapso, situação que nunca foi completamente revertida. Nos acordos de Latrão que estabeleceram o Vaticano como Estado independente, a Itália, então governada pelo ditador fascista Benito Mussolini, incluiu uma compensação de 4 bilhões de liras, equivalente hoje a cerca de 4,2 bilhões de euros (R$ 26,7 bilhões, na cotação atual), em valores corrigidos pela inflação. Entretanto, essa compensação mostrou-se insuficiente para estabelecer bases financeiras sólidas para o Estado papal. Até o século XIX, a Igreja contava com fontes estáveis de receita, como a tributação das férteis terras agrícolas do que hoje é o centro e norte da Itália, além da controversa prática de venda de indulgências – um mecanismo do século VI que permitia aos fiéis comprar o perdão por seus pecados, embora tenha sido considerada tão corrupta que acabou por contribuir para a Reforma Protestante. Ao longo dos séculos, o Vaticano também se viu envolvido em diversos escândalos financeiros que minaram sua credibilidade, como os relacionados ao Instituto para as Obras da Religião (IOR), popularmente conhecido como Banco do Vaticano, que já foi acusado de envolvimento em operações de lavagem de dinheiro e outros ilícitos.
O Papa Francisco, quando assumiu em 2013, tinha o mandato específico de enfrentar a deterioração financeira da Santa Sé, e dentro de poucas semanas já havia convocado um painel de cardeais de todo o mundo para aconselhá-lo sobre as reformas necessárias. Na época, o órgão de supervisão financeira europeu Moneyval havia advertido que o Banco do Vaticano seria colocado na lista negra se não apertasse as regras contra a lavagem de dinheiro, enquanto um relatório interno sinalizava que o fundo de pensão estava em sérios apuros, com cerca de um terço imprudentemente investido em imóveis. Francisco estabeleceu uma nova secretaria de economia para administrar as finanças do Vaticano, liderada inicialmente pelo Cardeal George Pell, da Austrália, e nomeou Jean-Baptiste de Franssu, ex-diretor executivo da Invesco Europe, para dirigir o Banco do Vaticano. Sob essa nova gestão, milhares de contas suspeitas foram fechadas, expurgando clientes que possivelmente usavam o Vaticano para evadir impostos. Contudo, os problemas persistiram, e o pontificado de Francisco foi marcado por escândalos como o caso do cardeal Becciu, ex-assessor próximo do Papa, condenado a cinco anos e meio de prisão por desvio de recursos. O tribunal do Vaticano apontou prejuízos entre 130 milhões e 180 milhões de euros relacionados a investimentos mal-sucedidos, incluindo a compra de um imóvel de luxo em Londres por 350 milhões de euros. Franssu, apesar dos desafios, mantém-se otimista, afirmando que “Francisco iniciou o processo, estou certo de que Leão XIV dará continuidade”.
Analistas como Victor Irajá, da CNN Brasil, destacam que Leão XIV precisará atuar não apenas como liderança religiosa, mas também como chefe de Estado nas questões envolvendo o orçamento do país, enfrentando desafios que vão muito além do aspecto espiritual. O novo pontífice assumiu o cargo em um momento em que ele próprio lamenta o declínio da fé em favor do “dinheiro” e do “poder”, uma ironia considerando os problemas financeiros que agora terá de resolver. A situação torna-se ainda mais complexa diante do cenário mundial de crise econômica e diminuição do número de fiéis em diversas regiões tradicionalmente católicas, o que impacta diretamente nas doações. Especialistas em finanças vaticanas apontam que, para reverter o quadro, Leão XIV precisará implementar medidas impopulares, como a redução de pessoal, reformas profundas no sistema de pensões e maior transparência nas contas do Estado papal. O desafio não é pequeno: manter a sustentabilidade financeira sem comprometer a missão espiritual da Igreja Católica, equilibrando tradição e necessidade de modernização administrativa. A história mostra que, desde Bento XVI, que implementou os primeiros dispositivos contra a lavagem de dinheiro, até Francisco, que ampliou as investigações internas, houve avanços na governança financeira do Vaticano, mas o caminho para a completa sanidade fiscal ainda parece longo. O sucesso ou fracasso de Leão XIV nessa missão poderá definir não apenas seu pontificado, mas também o futuro da própria estrutura administrativa da Santa Sé nas próximas décadas.
Reformas estruturais e transparência serão fundamentais para recuperação financeira
A transparência financeira e a implementação de reformas estruturais profundas representam os maiores desafios que o Papa Leão XIV terá pela frente para recuperar a saúde financeira do Vaticano. O histórico de escândalos envolvendo o Instituto para as Obras da Religião (IOR) e casos como o do cardeal Becciu demonstram que, além da questão puramente econômica, há problemas graves de governança e controle que precisam ser endereçados com urgência. Os especialistas concordam que o novo pontífice precisará equilibrar a tradição milenar da Igreja com práticas modernas de administração financeira, enfrentando possíveis resistências internas de setores mais conservadores da Cúria Romana. As lições aprendidas com os esforços de Francisco, que encontrou obstáculos significativos em suas tentativas de reforma, serão valiosas para que Leão XIV possa avançar onde seu antecessor encontrou limitações, consolidando um modelo de gestão que garanta a sustentabilidade da Santa Sé para as próximas gerações de fiéis em todo o mundo.