IA decifra pergaminho carbonizado de 2 mil anos em Herculano

Tecnologia desvenda textos preservados pela erupção do Vesúvio.

Um grupo de pesquisadores alcançou um feito notável ao decifrar o conteúdo de pergaminhos carbonizados com quase 2 mil anos de idade, utilizando inteligência artificial (IA). Os documentos, que faziam parte de uma vasta biblioteca encontrada na antiga cidade romana de Herculano, foram preservados pela erupção do Monte Vesúvio em 79 d.C., a mesma que devastou Pompeia. O anúncio da descoberta foi feito como resultado do Desafio do Vesúvio, uma iniciativa criada pelo cientista computacional Brent Seales, da Universidade do Kentucky, com apoio de patrocinadores do Vale do Silício. Três jovens pesquisadores – Youssef Nader, da Alemanha, Luke Farritor, dos Estados Unidos, e Julian Schillinger, da Suíça – foram premiados com 700 mil dólares por desenvolverem um software capaz de ler 2 mil cartas da Grécia Antiga, revelando textos que permaneceram ocultos por milênios.

A descoberta representa um avanço significativo na área da papirologia e da história antiga. Os pergaminhos de Herculano, que se assemelham a troncos de cinza endurecida, sofreram danos severos ao longo dos séculos, tornando-se extremamente frágeis e impossíveis de serem desenrolados fisicamente sem destruí-los. A abordagem inovadora dos pesquisadores envolveu o uso de tomografias computadorizadas de alta resolução e algoritmos de IA para distinguir a tinta do papiro e decifrar os caracteres gregos quase ilegíveis. Este método não invasivo permitiu “desenrolar” digitalmente os pergaminhos, preservando sua integridade física enquanto revelava seu conteúdo. A papirologista Federica Nicolardi, da Universidade de Nápoles Federico II, descreveu o feito como o início de uma revolução na papirologia de Herculano e na filosofia grega em geral, destacando a importância única desta biblioteca que sobreviveu da antiga época romana.

O conteúdo revelado nos pergaminhos oferece insights fascinantes sobre a vida e o pensamento na antiguidade. Uma leitura preliminar dos textos sugere que se trata de escritos do filósofo e poeta Filodermo de Gadana, um seguidor de Epicuro e professor de Virgílio. Os trechos decifrados abordam temas como música, comida, sentidos e prazer, refletindo aspectos centrais da filosofia epicurista. Segundo os pesquisadores, Filodermo parece estar persuadindo seus ouvintes a relaxar, cultivar boas amizades e viver o momento, desfrutando dos prazeres da vida. Esta descoberta não apenas enriquece nossa compreensão da filosofia antiga, mas também lança luz sobre as práticas culturais e intelectuais da elite romana do primeiro século. A possibilidade de acessar textos que permaneceram inéditos por dois milênios abre novas perspectivas para o estudo da história e da literatura clássica, potencialmente reescrevendo capítulos importantes do mundo antigo.

O sucesso do Desafio do Vesúvio marca um ponto de virada na interseção entre tecnologia e arqueologia, demonstrando o potencial transformador da IA em campos tradicionalmente analógicos. Brent Seales, criador do desafio, planeja expandir essa abordagem, desenvolvendo um escâner de tomografia computadorizada portátil e treinando algoritmos de IA para realizar trabalhos similares em outros sítios arqueológicos. Esta inovação promete revolucionar a forma como estudamos e preservamos artefatos históricos, permitindo a análise não invasiva de objetos frágeis que antes eram considerados inacessíveis. À medida que a tecnologia avança, é provável que vejamos mais descobertas semelhantes, desvendando mistérios históricos e enriquecendo nossa compreensão do passado. O sucesso em Herculano abre caminho para a aplicação dessas técnicas em outros campos, desde a detecção precoce de doenças até a análise de estruturas complexas, prometendo um futuro onde a IA e a ciência tradicional trabalhem em harmonia para desvendar os segredos do mundo antigo e moderno.