Gilmar Mendes defende regulação das redes sociais

Julgar responsabilidade das redes é nova chance para o país, diz Gilmar.
Ministro acredita que julgamento no STF pode servir como esboço para nova legislação.
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, declarou na segunda-feira (2) que o atual julgamento sobre a responsabilização das plataformas digitais pode servir como um esboço para a futura regulação das redes sociais no Brasil. Durante sua participação no Seminário Franco-Brasileiro de Rádio e Televisão, realizado na Embaixada do Brasil em Paris, o decano da Corte destacou que o modelo atual, estabelecido pelo Marco Civil da Internet em 2014, já não responde adequadamente aos desafios contemporâneos impostos pelas grandes empresas de tecnologia. Segundo Mendes, a discussão em curso no STF sobre a constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil, que determina que conteúdos só podem ser removidos mediante ordem judicial, representa “uma mudança significativa no caminho de uma maior responsabilização das plataformas”. O magistrado defendeu que regular as redes sociais não significa comprometer a liberdade de expressão, mas sim estabelecer parâmetros claros para lidar com conteúdos ilegais e a disseminação de desinformação que pode afetar processos democráticos.
Em entrevista concedida à Rádio França Internacional (RFI), Gilmar Mendes enfatizou que o artigo 19 do Marco Civil da Internet, criado entre 2012 e 2014, “envelheceu” diante das novas realidades tecnológicas e sociais. “Esse modelo, quando se falava na neutralidade das plataformas, cumpriu uma função importante, mas hoje estamos sofrendo as distorções diante da evolução das redes e dos problemas que enfrentamos, como fake news e ameaças à própria democracia”, afirmou o ministro. O julgamento que será retomado pelo STF nesta quarta-feira (4) debate justamente em quais circunstâncias as big techs podem ser penalizadas por conteúdos ilegais publicados por seus usuários. De acordo com Mendes, o tribunal caminha para uma interpretação que permita a retirada de conteúdos mediante simples notificação às plataformas, sem necessidade de decisão judicial prévia, o que representaria uma mudança substancial no regime de responsabilidade das empresas de tecnologia. O ministro também destacou a importância de o Brasil se inspirar em legislações europeias para enfrentar os desafios impostos pelo ambiente digital, especialmente o Regulamento 2022/2065 do Parlamento Europeu, que estabelece categorias de riscos sistêmicos e regras para assegurar um ambiente online mais seguro e previsível.
A posição de Gilmar Mendes sobre a necessidade de regulação das redes sociais reflete uma preocupação crescente com o impacto das plataformas digitais nos processos democráticos e na segurança pública. Durante sua palestra em Paris, o ministro apontou quatro categorias de riscos associados às plataformas digitais: a difusão de conteúdos ilegais, como material pedopornográfico ou discursos de incitação ao ódio; o impacto sobre o exercício dos direitos fundamentais; os efeitos negativos nos processos democráticos e no discurso cívico; e a manipulação das plataformas com consequências para a saúde pública e o bem-estar físico e mental das pessoas. Para o decano do STF, é fundamental estabelecer uma abordagem baseada em riscos e em direitos por meio de regulação assimétrica, aumentando a carga obrigacional dos agentes regulados conforme o nível de risco representado por seus sistemas. Mendes também fez uma distinção importante entre a regulação das redes sociais e a limitação da liberdade de expressão, argumentando que “regular as redes sociais não é tolher, ou de qualquer forma mitigar o direito fundamental à liberdade de expressão”, mas sim estabelecer mecanismos de proteção contra abusos que podem comprometer outros direitos fundamentais e a própria democracia.
A declaração do ministro Gilmar Mendes de que a regulação das redes sociais no Brasil terá impacto mundial evidencia a relevância internacional do debate em curso no Supremo Tribunal Federal. O Brasil, como uma das maiores economias digitais do mundo e com mais de 150 milhões de usuários de internet, tem potencial para estabelecer precedentes importantes na forma como as plataformas são responsabilizadas por conteúdos de terceiros. A tendência observada nas discussões do STF, segundo o ministro, é de maior alinhamento com modelos regulatórios como o europeu, que adotou o Digital Services Act, estabelecendo obrigações mais rigorosas para as plataformas digitais. Para o futuro, Mendes antecipa que o julgamento em curso poderá resultar em uma interpretação constitucional que servirá de base para uma legislação mais abrangente sobre o tema, possivelmente inspirando outros países a seguirem caminhos semelhantes. Com a retomada do julgamento nesta quarta-feira, o STF tem a oportunidade de estabelecer novos parâmetros para a responsabilização das plataformas digitais, em um contexto onde a regulação da inteligência artificial e das redes sociais se torna cada vez mais central para a proteção dos processos democráticos e dos direitos fundamentais dos cidadãos brasileiros.
STF retoma julgamento sobre responsabilidade de redes sociais por conteúdos de usuários
O Supremo Tribunal Federal (STF) retoma nesta quarta-feira, o julgamento que definirá a responsabilidade das redes sociais sobre conteúdos publicados por usuários, com foco no artigo 19 do Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014). A norma estabelece que plataformas só são obrigadas a remover conteúdos após ordem judicial, exceto em casos de violação de direitos autorais ou divulgação de imagens íntimas sem consentimento. A decisão, que envolve duas ações, pode alterar como as plataformas lidam com conteúdos considerados ofensivos.
Para o ministro Gilmar Mendes, decano do STF, a retomada do julgamento abre espaço para um debate nacional sobre a regulação das plataformas digitais. Em entrevista ao jornal O Globo, Mendes criticou o “jogo pesado” das empresas contra a tramitação do PL das Fake News e defendeu que a regulamentação não implica censura. “Regular não tem nada a ver com compromissos antidemocráticos. Pelo contrário, busca-se um mecanismo de coordenação”, afirmou, citando a União Europeia como exemplo de regulação bem-sucedida.
O julgamento foi suspenso em dezembro de 2024, após pedido de vista do ministro André Mendonça, que apresentará seu voto na sessão. Três dos 11 ministros já votaram: Dias Toffoli, Luiz Fux e Luís Roberto Barroso. Eles consideram o artigo 19 inconstitucional, argumentando que a manutenção de conteúdos ofensivos, mesmo que temporária, pode violar direitos. Fux defendeu a remoção imediata de conteúdos ilícitos após notificação, para evitar que posts viralizem. Barroso, por sua vez, propôs que crimes contra a honra (injúria, calúnia e difamação) dependam de ordem judicial, enquanto outros casos podem ser notificados diretamente às plataformas.
Riscos apontados pelas empresas
Plataformas como Google, Facebook, Instagram e X se posicionam contra a obrigatoriedade de remoção de conteúdos sem decisão judicial, alertando para dois riscos principais:
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Censura: Segundo Fábio Coelho, CEO do Google Brasil, as plataformas podem remover preventivamente conteúdos questionáveis, como reportagens jornalísticas ou posts humorísticos, por receio de responsabilização. “O jornalismo investigativo é essencial para a democracia”, destacou Coelho.
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Judicialização: Estudo do Reglab, financiado pelo Google Brasil, estima que a mudança pode gerar 754 mil novas ações judiciais em cinco anos, com custo adicional de R$ 777 milhões ao Judiciário.
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Dias Toffoli: Defende que plataformas removam conteúdos após notificação em casos como crimes contra o Estado Democrático de Direito, racismo ou desinformação eleitoral.
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Luiz Fux: Propõe que conteúdos ilícitos, como discurso de ódio, racismo, pedofilia ou incitação à violência, sejam removidos assim que notificados, com responsabilização das empresas em caso de omissão.
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Luís Roberto Barroso: Sugere que crimes contra a honra dependam de ordem judicial, mas outros casos podem ser notificados diretamente, com as plataformas obrigadas a avaliar a remoção.
Faltam os votos de André Mendonça, Flávio Dino, Nunes Marques, Cármen Lúcia, Alexandre de Moraes, Gilmar Mendes, Edson Fachin e Cristiano Zanin. A decisão do STF pode redefinir o equilíbrio entre liberdade de expressão e proteção contra conteúdos ofensivos no Brasil.
Impactos da decisão para o cenário tecnológico brasileiro
A possível mudança na interpretação do artigo 19 do Marco Civil da Internet representará uma transformação significativa no regime de responsabilidade das plataformas digitais no Brasil. Com a possibilidade de remoção de conteúdos mediante simples notificação, sem a necessidade de ordem judicial, as empresas de tecnologia terão que desenvolver mecanismos mais ágeis e eficientes para lidar com denúncias de conteúdos potencialmente ilegais. Esta nova abordagem poderá estabelecer um precedente importante para outros países que também buscam soluções para os desafios impostos pelas redes sociais, consolidando o Brasil como um protagonista no debate global sobre regulação digital e proteção da democracia no ambiente online. O posicionamento de Gilmar Mendes, como decano do STF, sinaliza uma mudança de paradigma na forma como o judiciário brasileiro compreende o papel e as responsabilidades das plataformas digitais, especialmente em um momento em que os desafios relacionados à desinformação e aos discursos de ódio se intensificam globalmente, exigindo respostas jurídicas mais efetivas e alinhadas com as novas realidades tecnológicas e sociais do século XXI.