Estudante pede reembolso após descobrir que professor usou ChatGPT para preparar aulas

Aluna exige reembolso de R$ 45 mil após professor usar ChatGPT em aulas.
Universitária expõe uso de inteligência artificial em material acadêmico.
Uma estudante da Universidade Northeastern, nos Estados Unidos, solicitou formalmente a devolução de sua mensalidade, avaliada em mais de US$ 8.000 (aproximadamente R$ 45.526), após descobrir que seu professor de comportamento organizacional utilizou ferramentas de inteligência artificial para elaborar materiais de aula sem informar os alunos. Ella Stapleton, que cursava o último ano na instituição, identificou em fevereiro de 2025 indícios claros do uso do ChatGPT em documentos acadêmicos compartilhados pelo docente através da plataforma Canvas. A suspeita inicial surgiu quando a estudante encontrou, em meio às anotações de uma aula sobre modelos de liderança, uma instrução explícita direcionada ao sistema de IA: “expandir todas as áreas. Seja mais detalhado e específico”, seguida por uma lista de características de liderança positivas e negativas que aparentemente haviam sido geradas pela ferramenta. Intrigada com a descoberta, Ella decidiu investigar mais a fundo e analisou as apresentações de slides utilizadas pelo professor em outras ocasiões, onde identificou elementos característicos de conteúdo produzido por inteligência artificial, como distorções textuais, erros ortográficos evidentes e imagens com representações humanas contendo anomalias anatômicas, sinais reveladores de que o material não havia passado por uma revisão adequada antes de ser apresentado aos alunos.
O caso levantou questionamentos importantes sobre a ética acadêmica e a qualidade do ensino superior em uma era cada vez mais influenciada pela inteligência artificial. A universidade, ao responder à solicitação de reembolso feita por Stapleton, defendeu que “adota o uso de inteligência artificial para aprimorar todos os aspectos de seu ensino, pesquisa e operações”, e argumentou que “oferece numerosos recursos para apoiar o uso adequado da IA” enquanto “continua a atualizar e aplicar políticas internas relevantes”. Contudo, a instituição decidiu rejeitar o pedido de devolução dos valores pagos pela estudante, que justificou sua solicitação alegando não estar recebendo aulas com o nível de qualidade esperado de uma instituição de ensino superior. A situação expõe uma contradição frequentemente observada no ambiente acadêmico contemporâneo, como a própria Ella destacou ao desabafar: “Ele está dizendo a nós para não usarmos [a IA], mas ele mesmo a está usando”. Esta incongruência entre as expectativas impostas aos estudantes e as práticas adotadas por alguns docentes reflete um desafio crescente para as instituições de ensino, que precisam estabelecer diretrizes claras sobre a utilização de tecnologias de inteligência artificial tanto por alunos quanto por professores, especialmente considerando o alto investimento financeiro realizado pelos estudantes em sua formação acadêmica e a expectativa de receberem conteúdo original e devidamente elaborado por profissionais qualificados.
A integração da inteligência artificial nas práticas pedagógicas tem sido objeto de diferentes abordagens por educadores em diversas instituições. Enquanto alguns docentes utilizam essas ferramentas sem a devida transparência, outros têm encontrado formas produtivas de incorporá-las ao processo educacional. O professor Shingirai Christopher Kwaramba, da Virginia Commonwealth University, por exemplo, descreve o ChatGPT como um “parceiro que economiza tempo”, utilizando-o para gerar conjuntos de dados para exercícios acadêmicos, o que permite aos estudantes compreender conceitos estatísticos por meio de simulações práticas. Segundo ele, os planos de aula que anteriormente demandavam dias de preparação agora podem ser desenvolvidos em questão de horas, caracterizando o momento atual como “a era da calculadora com esteroides” e destacando que essa otimização de tempo lhe permite dedicar mais atenção ao atendimento individualizado dos alunos durante os horários de expediente. De forma semelhante, o professor David Malan, de Harvard, integrou um chatbot de IA personalizado em sua disciplina sobre fundamentos de programação, oferecendo suporte adicional para centenas de estudantes em suas tarefas de codificação. Malan relata que precisou ajustar o sistema para que este fornecesse apenas orientações e não respostas completas, mantendo assim o valor pedagógico da ferramenta. Em uma pesquisa realizada com 500 alunos em 2023, primeiro ano de implementação do chatbot, a maioria indicou que o recurso foi útil, e o professor observou que isso permitiu que o tempo de interação presencial com os estudantes fosse dedicado a “momentos e experiências mais memoráveis”, como almoços semanais e hackathons, em vez de questões básicas sobre o conteúdo introdutório.
O debate sobre o uso da inteligência artificial no ensino superior continuará se intensificando nos próximos anos, exigindo que instituições acadêmicas estabeleçam políticas claras que equilibrem a inovação tecnológica com a integridade educacional. A professora Katy Pearce, da Universidade de Washington, desenvolveu um chatbot de IA personalizado treinado com versões de trabalhos antigos que ela havia avaliado, permitindo que seus alunos recebam feedback semelhante ao seu próprio estilo de avaliação a qualquer momento, o que beneficia especialmente estudantes que normalmente hesitariam em solicitar ajuda diretamente. No entanto, a própria docente levanta preocupações sobre o futuro da formação acadêmica ao questionar: “Haverá um momento em um futuro próximo em que muito do que os assistentes de ensino de alunos de pós-graduação fazem poderá ser feito pela IA?”, reconhecendo que isso “certamente será um problema” para o desenvolvimento da próxima geração de educadores. O caso de Ella Stapleton e seu professor na Northeastern University destaca a necessidade urgente de maior transparência no uso dessas tecnologias, especialmente considerando as altas mensalidades cobradas pelas instituições de ensino superior nos Estados Unidos. Enquanto as universidades continuam a adaptar suas políticas para acompanhar os avanços tecnológicos, os estudantes, como principais interessados e investidores em sua própria educação, têm demonstrado que esperam clareza, honestidade e valor educacional correspondente aos custos financeiros assumidos, reforçando a importância de estabelecer padrões éticos consistentes para a aplicação da inteligência artificial no ambiente acadêmico.
Transformação digital na educação exige novas diretrizes éticas
A revolução provocada por ferramentas como o ChatGPT no ambiente educacional representa apenas o início de uma transformação mais ampla que obrigará instituições de ensino em todo o mundo a reconsiderarem práticas pedagógicas centenárias. O caso da estudante que solicitou reembolso de sua mensalidade ao descobrir o uso não declarado de IA pelo professor evidencia um período de transição em que as regras ainda não estão claramente estabelecidas. Para que a integração tecnológica ocorra de maneira ética e benéfica, universidades precisarão desenvolver políticas abrangentes que definam quando e como ferramentas de IA podem ser utilizadas tanto por docentes quanto por estudantes, garantindo que o valor fundamental da educação – o desenvolvimento do pensamento crítico e da capacidade analítica – seja preservado mesmo com a adoção de novas tecnologias. Instituições que conseguirem estabelecer este equilíbrio, mantendo a transparência com seus alunos sobre os métodos utilizados, estarão melhor posicionadas para oferecer uma educação relevante para o século XXI, enquanto aquelas que falharem neste aspecto poderão enfrentar desafios crescentes à medida que estudantes, cada vez mais conscientes do valor de seu investimento educacional, exigem práticas pedagógicas que justifiquem o alto custo financeiro envolvido na busca por formação acadêmica de qualidade.