Cracolândia desaparece e usuários se espalham pelo centro de São Paulo

Dispersão sem explicação oficial preocupa autoridades e moradores.
O principal ponto de venda e consumo de drogas a céu aberto da cidade de São Paulo, conhecido como cracolândia, amanheceu completamente vazio na quarta-feira (14), gerando incertezas sobre o paradeiro dos usuários que frequentavam o local. Desde ontem, a Rua dos Protestantes e adjacências, que costumavam abrigar cerca de 200 dependentes químicos, não apresentam mais a tradicional aglomeração de pessoas. A prefeitura de São Paulo e o governo estadual não ofereceram explicações detalhadas sobre o ocorrido, limitando-se a comentar que a redução do número de usuários vem ocorrendo gradativamente desde 2016. O esvaziamento repentino do local levantou especulações sobre uma possível operação conjunta de dispersão ou migração forçada do fluxo, com evidências apontando para uma ação coordenada entre a Polícia Militar e a Guarda Civil Metropolitana (GCM), que começou na última sexta-feira e culminou no completo desaparecimento do grupo. O prefeito da capital paulista afirmou que a situação ainda não está resolvida e que parte dos usuários pode ter migrado para outras áreas, enquanto o governador Tarcísio de Freitas, que tem como meta revitalizar o Centro, declarou recentemente que “a cracolândia vai acabar”, sinalizando uma possível intensificação das ações de combate ao tráfico e consumo de drogas na região.
A dispersão dos usuários de drogas para diversas regiões da cidade não é um fenômeno inédito e vem gerando preocupação entre especialistas e moradores das áreas afetadas. Registros recentes mostram que novos pontos de concentração de dependentes químicos começaram a surgir em diferentes regiões da capital, como a Praça Marechal Deodoro, Vila Maria (Zona Norte), Estação Bresser-Mooca do metrô (no início da Zona Leste) e Largo de Santo Amaro (na Zona Sul). Na esquina da Avenida São João com a alameda Nothmann, sob o viaduto Presidente João Goulart, conhecido como Minhocão, moradores flagraram uma tentativa de instalação de um novo ponto, que foi rapidamente dispersado pela polícia. Segundo relatos, as autoridades têm agido de forma enérgica para impedir novas concentrações, com o prefeito declarando categoricamente: “Para onde eles forem, vamos no encalço”. Esta política de dispersão vem sendo criticada por especialistas e ativistas sociais, como o Padre Julio Lancellotti, que afirmou em suas redes sociais que os usuários “não sumiram nem estão todos em clínicas, mas espalhados pela cidade, amedrontados e maltratados”. A situação atual remete a operações anteriores, como a “Centro Legal” em 2012, durante a gestão do então prefeito Gilberto Kassab, que também resultou na pulverização do fluxo de usuários por diversos bairros da região central, criando as chamadas “minicracolândias” em locais como Barra Funda, Higienópolis, Luz, Campos Elíseos, Santa Cecília e República.
A questão da cracolândia representa um desafio complexo para a administração pública, pois envolve simultaneamente problemas de segurança, saúde pública e assistência social que se entrelaçam há mais de três décadas na capital paulista. As diversas tentativas de solução implementadas ao longo dos anos por diferentes gestões municipais e estaduais não conseguiram resolver efetivamente o problema, resultando muitas vezes apenas na migração dos usuários para outras áreas da cidade. A política atual de segurança tem sido caracterizada por alguns críticos como “equivocada”, multiplicando “mini cracolândias” pelo centro da cidade, conforme apontam análises recentes sobre a situação. A estimativa é que em 2016 havia cerca de 4.000 usuários concentrados na região, número que vinha diminuindo gradativamente, segundo informações oficiais. A Secretaria de Segurança Pública do estado mencionou em comunicado que ações do governo contribuíram para a redução da cracolândia, como o combate ao tráfico de drogas, prisões de lideranças criminosas na região e o fechamento de estabelecimentos que seriam usados para lavar dinheiro. No entanto, o problema persiste sob novas configurações espaciais, desafiando as autoridades a desenvolverem abordagens que vão além da simples repressão policial e contemplem de maneira integrada as dimensões sociais e de saúde pública inerentes ao fenômeno.
O futuro da cracolândia e dos usuários agora dispersos pela cidade permanece incerto, levantando questões sobre a eficácia das políticas públicas adotadas para lidar com a questão das drogas no espaço urbano. Especialistas em políticas sobre drogas e urbanismo alertam que a simples dispersão dos usuários, sem o devido acompanhamento de políticas de redução de danos, tratamento médico adequado e assistência social, tende a apenas transferir o problema para outras áreas, potencialmente agravando a situação de pessoas já em condição de extrema vulnerabilidade. A ausência de uma explicação oficial detalhada sobre o destino dos dependentes químicos que habitavam a região central também gera preocupações sobre possíveis violações de direitos humanos durante o processo de desocupação. Para os moradores e comerciantes do centro de São Paulo, que há anos convivem com os desafios impostos pela presença da cracolândia, o esvaziamento repentino traz um misto de alívio momentâneo e apreensão quanto ao possível surgimento de novos pontos de consumo em áreas próximas. O desafio que se coloca para as autoridades municipais e estaduais nos próximos meses será desenvolver estratégias que não apenas desloquem o problema de lugar, mas que ofereçam soluções duradouras para questões estruturais como dependência química, tráfico de drogas e população em situação de rua, integrando políticas de segurança, saúde e assistência social de forma coordenada e humanizada.
Problema histórico sem solução definitiva
A cracolândia é um problema antigo da cidade de São Paulo, que ao longo de 30 anos foi alvo de diversas intervenções do poder público sem que nenhuma tenha conseguido apresentar uma solução definitiva. As constantes mudanças de localização do fluxo de usuários demonstram a complexidade do fenômeno e a necessidade de políticas públicas que abordem suas múltiplas dimensões, indo além das ações de repressão ao tráfico e contemplando aspectos de saúde pública, assistência social e reintegração dos dependentes químicos à sociedade. Enquanto isso, os usuários continuam sua peregrinação pelas ruas da cidade, agora de forma mais pulverizada e potencialmente mais vulnerável, aguardando uma resposta do poder público que vai além da simples invisibilização do problema.