CBF elege novo presidente em votação com boicote de clubes e expõe crise institucional

Em eleição marcada por boicote de clubes, CBF elege novo presidente.
Manifesto de clubes agita eleição da CBF com protesto inédito.
A eleição deste domingo para a presidência da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) aconteceu em meio a um cenário turbulento, marcado por um boicote liderado por 21 dos principais clubes do país. Samir Xaud, dirigente da Federação de Roraima e candidato único, deve assumir o posto deixado por Ednaldo Rodrigues, mas sua chegada à liderança da entidade está longe de ser pacífica. O protesto dos clubes das Séries A e B foi oficializado por meio de um manifesto conjunto que critica a falta de transparência e representatividade no processo eleitoral. Os clubes justificam a ausência afirmando terem sido excluídos das discussões sobre a sucessão e exigem reformas estruturais na CBF. A mobilização ganha peso com a participação de nomes tradicionais do futebol nacional, incluindo Corinthians, Flamengo, São Paulo, Internacional, Fluminense, Cruzeiro, entre outros, que alegam que a eleição, tal como está, não representa os interesses do futebol brasileiro. A votação ocorreu na sede da CBF, no Rio de Janeiro, mas o clima é de insatisfação generalizada e divisão evidente entre dirigentes e dirigentes de federações estaduais, que apoiam majoritariamente o candidato único. A iniciativa inédita de boicote evidencia a gravidade da crise institucional que atinge a principal entidade futebolística do país, levando a dúvidas sobre a legitimidade do pleito e o futuro da gestão esportiva nacional.
O contexto desse boicote coletivo expõe um conflito antigo e profundo envolvendo federações estaduais e clubes das principais divisões do Campeonato Brasileiro. O sistema de votação da CBF, que concede peso maior aos votos das federações em relação aos clubes das Séries A e B, é apontado como o principal fator de desequilíbrio e insatisfação. Ao todo, 40 clubes poderiam participar do pleito, mas apenas cerca de 10, dentre eles Palmeiras, Grêmio, Vasco e Botafogo, declararam apoio aberto a Samir Xaud. Outros nove clubes ficaram ao lado da tentativa frustrada de candidatura de Reinaldo Carneiro Bastos, presidente da Federação Paulista, que não conseguiu apoio mínimo de federações para oficializar sua chapa. Nos bastidores, pressões de patrocinadores e empresas do setor cresceram, afastando possíveis adesões ao boicote e acirrando ainda mais a fragmentação do bloco de clubes. O racha evidencia o desgaste do modelo atual da CBF, em que as decisões passam longe da participação efetiva de clubes, que, segundo o manifesto “Sem Clube não tem Futebol”, reivindicam democracia, transparência e protagonismo real no comando do esporte.
Samir Xaud é eleito presidente
Samir Xaud, de Roraima, foi eleito presidente da CBF em 25 de maio de 2025, com 103 dos 141 pontos possíveis, em votação na sede da entidade, no Rio de Janeiro. Apesar do boicote de alguns clubes, que rejeitaram o voto online, Xaud, único candidato, contou com o apoio de 26 federações e 20 clubes (10 da Série A e 10 da Série B). O sistema de votação atribui pesos distintos: federações (3 pontos), clubes da Série A (2 pontos) e Série B (1 ponto). Ele assume imediatamente com mandato até 2029.
Xaud destacou como prioridades a reorganização do calendário do futebol brasileiro, a implantação do fair play financeiro e a redução dos campeonatos estaduais para 11 datas a partir de 2026. A CBF, sob sua gestão, vem de um recorde de arrecadação de R$ 1,5 bilhão no ano anterior. Leila Pereira, presidente do Palmeiras e apoiadora de Xaud, defendeu suas propostas, como melhorias no calendário e na arbitragem, e associou sua eleição a uma renovação na entidade, rejeitando críticas de que Xaud representa uma federação “pouco expressiva”. Médico infectologista, Xaud sucede o pai, Zeca Xaud, na liderança do futebol de Roraima e promete uma gestão moderna, rompendo com o modelo anterior, apesar do apoio de federações ligadas ao ex-presidente Ednaldo Rodrigues, afastado judicialmente.
Consequências e impactos do boicote dos clubes brasileiros
Os desdobramentos desse boicote histórico vão muito além da eleição deste domingo e tendem a moldar o ambiente do futebol nacional nos próximos anos. O movimento dos clubes coloca em xeque a legitimidade da gestão que se inicia sob o comando de Samir Xaud, tornando o futuro presidente da CBF refém de um ambiente político hostil e pouco cooperativo. A briga pelo poder expõe a necessidade urgente de revisão do estatuto da confederação e do sistema eleitoral, que privilegia federações em detrimento dos verdadeiros protagonistas – os clubes formadores, administradores do espetáculo e responsáveis diretos pelo desenvolvimento de atletas e do próprio futebol nacional. A pressão dos clubes já começa a se refletir em propostas de criação de um conselho de integridade e de mudanças no modelo de governança, com o objetivo de ampliar a voz dos times no centro das decisões da entidade. Ao mesmo tempo, clubes que optaram por não aderir ao boicote ou se mantiveram em posição intermediária, como Atlético-MG, destacam o receio de represálias comerciais e o impacto negativo em suas próprias estruturas. O impasse reforça a falta de coesão e aponta para uma reconfiguração das forças internas do futebol brasileiro, com clubes cada vez mais organizados e dispostos a desafiar o domínio das federações estaduais.
Para além das disputas políticas, a crise de representatividade na CBF pode afetar diretamente a condução de campeonatos, negociações de direitos de transmissão e contratos de patrocínio, com reflexos em toda a cadeia econômica do futebol. O protesto dos clubes sinaliza que o modelo centralizador vigente perdeu sua capacidade de mediar interesses múltiplos. O afastamento de grandes agremiações do processo eleitoral e a consequente falta de apoio institucional ao próximo presidente aumentam a possibilidade de judicialização de decisões e agravam a incerteza quanto à estabilidade administrativa da confederação. A legitimação do novo mandato dependerá da disposição da CBF em dialogar com seus principais filiados e implementar mudanças efetivas, sob pena de ver seu poder questionado nos mais diversos ambientes, do campo à Justiça Desportiva. O episódio também serve de alerta para entidades esportivas de outras modalidades, ao mostrar que práticas pouco democráticas e processos excludentes já não se sustentam em um ambiente esportivo cada vez mais profissionalizado.
O futuro da CBF diante do boicote e das demandas dos clubes
O desfecho da eleição marcada por abstenções e protestos deixa claro que a CBF terá de enfrentar desafios sem precedentes em sua nova gestão. A insatisfação dos clubes, publicamente manifestada, cria a expectativa de uma pressão constante por mudanças tanto no sistema de votação quanto na composição dos principais órgãos decisórios da entidade. A condução política de Samir Xaud à frente da CBF exigirá habilidade para reconciliar interesses e promover uma agenda mínima de reformas institucionais. O mandato que se inicia já nasce sob intensa desconfiança e cobrança por representatividade, em um contexto onde o diálogo e a busca por consenso se tornam ainda mais necessários. Enquanto a federação busca legitimar sua liderança, os clubes prometem manter a mobilização por mais influência, transparência e participação efetiva nas decisões que irão moldar o futuro do futebol brasileiro.
A tendência é que, sem avanços concretos, a divisão observada nesta eleição continue a se aprofundar, impactando diretamente a organização de campeonatos nacionais, negociações comerciais e o desenvolvimento do esporte. O episódio marca uma virada simbólica, na qual os clubes indicam disposição para assumir protagonismo e influenciar a agenda do futebol no Brasil. O cenário exige uma resposta rápida e eficaz da CBF para evitar a ampliação da crise e garantir a governabilidade da principal entidade esportiva do país. Em última análise, o futuro do futebol brasileiro está em jogo, condicionado à superação das divergências e ao redesenho do papel de clubes e federações no comando do esporte. Até lá, o boicote dos clubes servirá como referência para o debate sobre democracia, representatividade e modernização das estruturas esportivas nacionais.
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