Brasil teme isolamento global após União Europeia recuar na regulação das big techs

Governo brasileiro preocupado com mudança de postura europeia.
O cenário atual contrasta com o papel pioneiro que a União Europeia vinha desempenhando na regulação da internet. O bloco implementou a Lei de Serviços Digitais (DSA) e a Lei de Mercados Digitais (DMA), que entraram em vigor em 2024 e 2023, respectivamente. Essas legislações serviram de inspiração para projetos de lei brasileiros, como os que tramitaram na Câmara sobre responsabilidade das big techs, o de inteligência artificial aprovado no Senado e o texto antitruste em discussão no Ministério da Fazenda. Contudo, as multas bilionárias aplicadas a empresas como Meta, Apple, X (antigo Twitter), Google e Microsoft, decorrentes das leis europeias, bem como a regulação de inteligência artificial em implementação no bloco, têm enfrentado protestos de empresários e autoridades dos Estados Unidos. O presidente Trump chegou a afirmar que essas multas representam uma forma de “tributação” sobre as big techs americanas, aumentando a pressão sobre a UE.
As evidências do recuo europeu são múltiplas e preocupantes para o Brasil. A UE anunciou recentemente a suspensão da Diretiva de Regime de Responsabilidade de IA e indicou que o código de conduta em IA, previsto para abril, terá regras simplificadas. Além disso, na conclusão da reunião do Diálogo Digital Brasil-UE em Bruxelas, o bloco europeu mostrou-se relutante em assumir compromissos mais ambiciosos relacionados à cooperação na formulação e aplicação de regras sobre as empresas de tecnologia e impostos sobre as big techs. Essa postura mais cautelosa da UE é vista com apreensão por integrantes do governo brasileiro, que consideram crucial somar esforços internacionais na estratégia de regular as big techs. A percepção é de que é necessário ter uma massa crítica de mercado para aumentar o poder de barganha em negociações com essas empresas. Com a Rússia e a China, parceiras do Brasil nos BRICS, adotando regimes autocráticos que bloqueiam plataformas de internet, e com sinais de que UE e Reino Unido darão mais ênfase à inovação do que à segurança, o Brasil corre o risco de se ver isolado em sua iniciativa regulatória.
O cenário que se desenha é complexo e desafiador para o Brasil. Se o país se mantiver sozinho na iniciativa de regular as big techs, poderá ficar mais vulnerável à pressão dessas empresas e a críticas de que estaria indo contra a corrente global, potencialmente inibindo investimentos. Autoridades da UE negam que o recuo seja uma reação às pressões de Trump, mas admitem uma reorientação nas políticas. Henna Virkkunen, vice-presidente da Comissão Europeia para soberania digital, afirmou que “a UE está reduzindo a regulamentação para estimular investimentos em inteligência artificial, não por pressão das grandes empresas de tecnologia dos EUA e do governo Trump”. Essa mudança de rumo na Europa pode forçar o Brasil a reavaliar sua estratégia de regulação das big techs, buscando um equilíbrio entre a proteção dos interesses nacionais e a necessidade de manter-se atrativo para investimentos e inovações no setor tecnológico. O desafio será encontrar uma abordagem que permita ao país exercer algum controle sobre as gigantes da tecnologia sem ficar isolado no cenário internacional.
Perspectivas e desafios para a regulação tecnológica no Brasil
Diante desse cenário de incertezas, o Brasil enfrenta o desafio de calibrar sua abordagem regulatória para o setor tecnológico. Será crucial para o país manter-se atento às tendências globais e buscar alianças estratégicas que permitam avançar na regulação das big techs sem comprometer sua competitividade econômica. A evolução desse quadro terá impactos significativos não apenas na política externa brasileira, mas também no desenvolvimento do setor de tecnologia nacional e na proteção dos direitos digitais dos cidadãos brasileiros.