Relator da ONU defende alteração na Lei da Anistia: “Cultura da Impunidade”

ONU aponta impunidade e falhas na justiça de transição.
O relator especial da Organização das Nações Unidas (ONU) para Promoção da Verdade, Justiça, Reparação e Garantias de Não Repetição, Bernard Duhaime, concluiu recentemente uma visita ao Brasil com declarações importantes sobre a Lei da Anistia (Lei 6.638/79). Durante entrevista no Rio de Janeiro, Duhaime destacou que a legislação vigente, criada em 1979, tem servido como um obstáculo à responsabilização por crimes cometidos durante a ditadura militar (1964-1985). Segundo ele, a anistia concedida a agentes do Estado que praticaram violações de direitos humanos abriu caminho para a impunidade, perpetuando práticas de tortura, detenções arbitrárias e execuções sumárias que ainda deixam suas marcas na sociedade brasileira. O enviado também enfatizou a necessidade de harmonizar a legislação nacional com padrões internacionais de direitos humanos, reforçando o compromisso do Brasil com a justiça e a memória histórica.
Contexto e desafios históricos da legislação
A Lei da Anistia, aprovada em um contexto de transição política no final da década de 1970, foi inicialmente concebida para promover a pacificação nacional e permitir o retorno de exilados políticos. Contudo, ao incluir também agentes do regime militar responsáveis por violações de direitos fundamentais, a legislação acabou criando uma barreira para processos judiciais contra crimes de tortura e assassinato. O relator da ONU salientou que, em muitos países, legislações semelhantes foram revisadas ou anuladas para garantir que violadores dos direitos humanos fossem levados à justiça. No Brasil, contudo, a decisão de 2010 do Supremo Tribunal Federal (STF) de validar a anistia para esses agentes foi amplamente criticada por organizações de direitos humanos, sendo vista como um retrocesso na justiça de transição. Essa escolha judicial, conforme apontado por Duhaime, compromete o princípio de que crimes contra a humanidade não prescrevem e devem ser objeto de responsabilização.
Análises e implicações para a sociedade brasileira
Os desdobramentos da manutenção da Lei da Anistia vão além da impunidade. Bernard Duhaime enfatizou que a falta de responsabilização por crimes da ditadura impacta negativamente a construção de uma cultura de direitos humanos e reforça desigualdades históricas. Comunidades indígenas, população negra e trabalhadores rurais continuam a ser as principais vítimas de abusos de direitos humanos, perpetuando um ciclo de violência e discriminação estrutural. O relator também destacou como a ausência de responsabilidade histórica afeta a preservação da memória, citando a negligência em transformar locais emblemáticos, como o DOI-Codi de São Paulo e a “Casa da Morte” de Petrópolis, em espaços dedicados à reflexão e à educação sobre os horrores do regime autoritário. Segundo ele, a preservação desses locais é vital para evitar o esquecimento e garantir que violações semelhantes não voltem a ocorrer.
Perspectivas futuras para a justiça e reforma legal
No encerramento de sua visita ao Brasil, Duhaime endossou as demandas da sociedade civil por uma revisão urgente da Lei da Anistia, alinhada aos princípios de justiça internacional. Ele ressaltou que processos de justiça de transição bem-sucedidos exigem, além da responsabilização judicial, a reforma de instituições e a implementação de programas de educação e preservação da memória histórica. A apresentação do relatório sobre o tema, prevista para setembro no Conselho de Direitos Humanos da ONU, poderá exercer pressão adicional sobre o Estado brasileiro para avançar em reformas legais e institucionais. Para Duhaime, a revisão da Lei da Anistia é um passo crucial para romper com ciclos de violência institucional e fortalecer o compromisso do Brasil com os direitos humanos e a democracia.
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